Diretora de 'Elena' mistura ficção, realidade e Tchékhov em novo filme

11/08/2015 por Lucas Neves na FOLHA ILUSTRADA

Uma atriz fictícia de 30 e poucos anos, dez de palco, descobre-se grávida durante os ensaios, também fictícios, de "A Gaivota", de Tchékhov (1860-1904).

Seu papel é o de Arkádina na peça russa –cujo enredo apanha duas atrizes em pontos opostos: o começo cheio de sonho e medo de Nina, e a maturidade e o fantasma da obsolescência da colega Arkádina.

Às camadas de ficção o filme "Olmo e a Gaivota", exibido no Festival de Locarno (Suíça), sobrepõe uma documental. É uma atriz de fato grávida e com uma década de carreira, a italiana Olivia Corsini, que se confunde com as colegas de ofício imaginárias.

O projeto da brasileira Petra Costa ("Elena") e da dinamarquesa Lea Glob começou com a ideia de mostrar a intimidade de uma atriz por um dia.

Quando Corsini, ex-integrante do Théâtre du Soleil, contou às diretoras que seria mãe, 24 horas viraram quase nove meses. As cineastas misturam a tal ponto a vida de Corsini com a da personagem que a atriz interpreta para "Olmo e a Gaivota" que se torna difícil distinguir ficção e realidade.

A atriz tinha como "dever de casa" anotar seus questionamentos sobre a nova fase: como equilibrar teatro e maternidade? O que um bebê representava para a relação dela com o companheiro, o também ator Serge Nicolaï? E por aí vai. Os apontamentos viraram narrações em "off".

Corsini e Nicolaï também improvisavam em cima de deixas das cineastas, como "falem sobre o nome do bebê", "briguem" ou "refaça [a cena] com mais vulnerabilidade" (esta, ouvida no filme).

"Não pudemos filmar o nascimento. Isso foi estabelecido desde o início", diz Costa. "O filme se constrói nessa fronteira entre o que é privado ou não. Os momentos em que chegamos a lugares incômodos são os mais ricos."

Glob, formada no documentário direto (quando não se interfere na realidade diante da câmera), diz ter aprendido "o valor de ser provocativo". Ela escolhia objetos/adereços para estimular o jogo dos atores e ditava quem estaria em cena; Costa e suas perguntas "atiçavam o incêndio", nas palavras desta.

"A Gaivota" pousou no projeto por sugestão de Martha Perrone, colaboradora do roteiro. "As questões que queríamos discutir estavam lá. Nina busca reconhecimento e quase enlouquece. Mas sai da história maior. Arkádina encarna o envelhecimento", diz Costa.

A peça oferece a ela também a sublimação de uma tragédia pessoal: o suicídio da irmã mais velha, a protagonista ausente de "Elena". O filme tinha como imagem-guia o afogamento da Ofélia de "Hamlet".

"Tchékhov dizia que 'A Gaivota' relia Shakespeare. É como se ele perguntasse, por meio da personagem Nina: e se Ofélia não tivesse se matado? E se Elena não tivesse morrido? Teria se casado, tido filhos?", compara Costa.

"Olmo" é a brisa que leva Elena de volta aos ares.

O jornalista LUCAS NEVES está hospedado em Locarno a convite da organização do festival

Link permanente -

Deixe um Comentário


« A “safada” que “abandonou” seu bebê - Petra Costa para Canal Curta! no Festival do Rio »