Petra Costa levou o prêmio de melhor documentário no Festival do Rio com seu novo filme "Olmo e a Gaivota"

Petra Costa levou o prêmio de melhor documentário no Festival do Rio com seu novo filme “Olmo e a Gaivota” Crédito: Muhammed Hamdy

Sensível, engajado e com um olhar que só poderia ter sido percebido por uma mulher. Assim é o “Olmo e a Gaivota”, novo filme de Petra Costa, com codireção da dinamarquesa Lea Glob, que levou o prêmio de melhor documentário no Festival do Rio, na última terça-feira. Explorando os limites entre o real e o ficcional, o longa mostra um casal de atores do Théâtre du Soleil, Olivia e Serge, que descobriram durante as filmagens que teriam um bebê.

Em conversa com o Glamurama, a diretora de 32 anos falou sobre o filme e as dificuldades que cercam o tema da gestação: “Falar de gravidez é um tabu milenar. E isso vem desde a Nossa Senhora, que dá a luz a uma criança mesmo sendo virgem”.

Por Denise Meira do Amaral

Glamurama: Você veio do teatro e conheceu a Olivia [protagonista do filme] em cena durante a passagem do Théâtre du Soleil pelo Brasil. Quando você percebeu que dali teria um filme?
Petra Costa: “Tinha um desejo de fazer um filme que fosse filmado com dinâmica de um grupo de teatro, com um espírito mais vivo e menos hierárquico que o set de filmagem costuma ter. Eu participei de alguns ensaios do Soleil, pude ver como eles trabalhavam e fiquei encantada. Surgiu então o desejo de explorar isso. E quando conheci Olívia [ela ainda não estava grávida], descobri que ela tinha se identificado muito com “Elena” [seu filme anterior, sobre a irmã mais velha de Petra que se matou aos 20 anos].”

Glamurama: O filme navega entre o ficcional e o real. Era sua intenção brincar com esse limiar?
Petra Costa: “A ideia era essa, estar nesse limite entre ficção e a realidade, que é o limite que está muito presente quando se fala de um casal encenando a própria vida. Queria explorar isso, esse olhar com certo estranhamento pela própria vida.”

Glamurama: Os diálogos foram escritos por você ou eram dos atores?
Petra Costa: “Eu tinha várias partes já escritas, mas muitas foram improvisadas. O roteiro ia mudando diariamente. Tem diálogos que foram criados através de escritos do diário real de Olivia e outros que foram criados por mim.”

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Olivia em cena do filme “Olmo e Gaivota” Crédito: Divulgação

Glamurama: “Elena” e “Olmo” são filmes supersensíveis e femininos. Falta um olhar feminino no mundo do cinema?
Petra Costa: “Eu acho. Uma coisa me impressionou muito ao fazer esse filme: quando Olivia ficou grávida, comecei a explorar essa questão da gravidez no cinema e um dos únicos retratos mais profundos sobre a gravidez que eu encontrei foi o “Bebe de Rosemary” [de 1969, do diretor Roman Polanski]. Geralmente se olha para a gravidez de uma forma muito clichê. Apesar de todo ser humano existir da gravidez, quase não existe um retrato psicológico do que se passa na mulher nesses nove meses.”

Glamurama: Falar de gravidez é um tabu?
Petra Costa: “É um tabu milenar. E isso vem desde a Nossa Senhora, que dá a luz a uma criança mesmo sendo virgem. Tudo que é político desse momento de criação é retirado, como um esforço de tirar os direitos da mulher sobre o próprio corpo. Porque o corpo é um lugar extremamente político e os filmes sempre tentaram esvaziá-lo. Ele é quase sempre um lugar de desejo do homem, e não da mulher. Só em 30% dos filmes a mulher fala e quando ela fala, é sobre os homens. Como atriz, a mulher sempre fica entre a santa e a puta. Virginia Woolf já tinha apontado isso na literatura. É a visão do homem sobre a mulher.”

Glamurama: Acompanhar os bastidores de uma gravidez abriu uma janela de um novo mundo para você?
Petra Costa: “Acompanhei bem de perto essa jornada. Pelo menos no caso de Olivia foi uma jornada. Pra mim interessou muito mergulhar nesse momento porque eu vejo a vida como um rito de passagem. ‘Elena’ fala muito do rito de passagem da adolescência pra vida adulta. Mas quando você vira mãe, quando decide mudar seu corpo para outro ser, você tem que abrir mão dessa identidade que conquistou pra uma identidade que ainda é desconhecida. Um homem pode facilmente não assumir uma paternidade. Já a mulher, não. Vai ser condenada por todos. É um caminho que não tem volta. E é incrível como não se fala nisso! Se as mulhres tivessem mais acesso sobre a complexidade do que é essa jornada, já facilitaria muito. Não falar das problemáticas que podem vir abre mais portas pra depressões pós-parto e outras milhares de questões que estão ali debaixo do tapete.”

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Petra fez teatro dos 14 aos 20 anos, é formada em antropologia, mestre em psicologia social e doutoranda em Cinema e Filosofia. Ela está agora escrevendo o roteiro de seu próximo longa, “Estranha Fruta”. Abaixo, o discurso de Petra ao ganhar o prêmio de melhor documentário por “Olmo e a Gaivota”, no Festival do Rio. “Queria dedicar esse prêmio à minha mãe e e às mulheres, e que em breve no Brasil toda mulher tenha soberania total sobre seu próprio corpo, seja para rejeitar uma gravidez com um aborto ou seja para mergulhá-la. Espero que nenhuma mulher sofra machismo verbal ou físico, desde a presidente, cineastas, atrizes e domésticas”, disse a diretora.