FESTIVAL DO RIO: OLMO E A GAIVOTA (Petra Costa e Lea Glob, 2015)

10/10/2015 por Renato Furtado no Cinema2Manos

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NOTA: 8,5 / Renato Furtado

Truques de ilusionismo são ótimos e divertidos espetáculos, mesmo quando não muito bons. Nesse caso, nos encantamos com as mágicas realizadas na nossa frente mas, normalmente, sempre acabamos tentando descobrir como aquelas coisas foram feitas, como a carta apareceu onde não devia, ou como surgiu algo de dentro de uma cartola ou como alguém acorrentado escapou de um tanque segundos antes de ter os pulmões enchidos de água, fatalmente. Porém, contudo, entretanto, todavia, às vezes presenciamos um bom show de mágica, um realmente bom. Para mim, isso acontece quando a ilusão é tão boa, mas tão boa que não paramos para nos importar em como foi feito, como as engrenagens por trás do truque giram com medo de quebrar a magia. Olmo e a Gaivota entra nessa categoria.

As diretoras Petra Costa (do maravilhoso, incrível, arrebatador e destruidor Elena, um dos melhores filmes brasileiros dos últimos tempos) e Lea Glob filmam um casal de atores durante nove meses, ou seja, o tempo em que a atriz está grávida, o que acarreta com que ela se afaste dos palcos e da personagem principal da peça “A Gaivota” do mestre russo Anton Tchekov, para a qual ensaiava. Enquanto o marido, Serge, ensaia, acompanhamos Olivia em seu período de gravidez e seguimos seus passos em um intenso mergulho poético e existencial pela vida, em si. O pulo do gato entra aqui: Costa e Glob realizam uma estrutura cinematográfica tão incrivelmente rica que não sabemos onde começa a ficção e termina o documentário e vice-versa.

Sabemos, de antemão, que é um documentário, mas o tempo inteiro duvidamos dessa informação. Montando as cenas entre seus personagens (ou pessoas reais) com uma clara veia ficcional, as duas diretoras surpreendem quando, em certos momentos, mostram que estão logo ali, atrás da câmera, interagindo com os atores (ou as pessoas reais que são atores) nos instantes corretos, sem nunca quebrar a beleza da narrativa – muito pelo contrário, apenas aprimorando-a.

A sensibilidade da direção e da montagem nos trazem momentos do passado através de vídeos caseiros montados em conjunto à narração de Olivia, trazem cenas da peça e da interação entre os personagens do casal, os personagens principais de um texto crucial para o filme – reza a lenda que Tchekov pretendia que A Gaivota fosse uma comédia e não um drama ou uma tragédia, como acabou sendo encenada muitas vezes durante os anos, o que de modo algum é uma coincidência dentro da narrativa de Olmo e a Gaivota – e, ainda, trazem cenas da hilária interação entre Serge e Olivia onde são provocadas boas e sinceras risadas, balanceando na medida certa o peso de Olmo e a Gaivota, sem sobrar ou faltar o peso necessário à trama.

Não vou comentar muito mais sobre essa questão estrutural porque acredito ser um ótimo dispositivo do filme e não quero estragá-lo. Portanto, o que me resta dizer ainda é que é incrível quando um filme faz isso com a gente, nos engana e nos ilude, deixando a gente com mais vontade de ser enganado e iludido pela beleza do truque, pela beleza da magia do cinema, dessa arte incrível dessa vida incrível. No fim das contas, as coisas nem sempre tem que se dividir em dois caminhos distintos e antagônicos, nem sempre são sim ou não, vai ou fica, arte e vida, cinema e realidade: às vezes, a vida é também arte e a arte é também vida e é simplesmente belo quando é assim.

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